Orquídea em preto e branco no Jardim Botânico do Rio de Janeiro — 2012–08–12 0013 — © Flavio RB

A mítica foto sem “edição”

(ou) Como saiu da câmera

Published in
7 min readMay 23, 2016

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Estou usando o termo “edição” — do título — no sentido que, atualmente, mais se entende por edição. Isto é, aplicar modificações nas fotos. Desde simples alterações de contraste e brilho até grandes modificações como retirar elementos que atrapalham ou alterar a aparência estética das pessoas.

Tradicionalmente, edição envolve muito além disso. Por edição também entendemos o conceito de escolhas sobre recortes ou a seleção de uma (ou algumas) entre várias fotos de um ensaio para somente aquela ser utilizada.

Além disso edição, também pode envolver as escolhas que se faz antes do disparo (clique) montando a cena ou esperando no local que se sabe que algo interessante pode acontecer. Mas, para essa parte que antecede o disparo (clique) não é comum se chamar de edição.

O termo edição — como usado hoje — envolve muito da pós produção da fotografia. O que na fotografia analógica (a de filme, tradicional) era feito dentro do laboratório, muitas vezes por outra pessoa que não o fotógrafo (um técnico de laboratório).

Usarei esse conceito restritivo de edição (o conceito popular) para tratar de um mito propagado como forma de “pureza” na fotografia.

A foto “sem edição” é mais fotografia que a editada. Nela temos mais o que o fotógrafo deseja.

O fotógrafo que mostra uma foto não editada é mais fotógrafo que outro que “precisa” editar.

A fotografia com filme

o começo

Na fotografia com filme, digo que a edição — ou a escolha de como será a pós produção — começa na escolha do filme. Com essa decisão, vem a escolha do tipo de processo químico do processamento e também as pequenas variações de detalhes e sutileza de cores (na fotografia em cores) ou contrastes (cores ou preto e branco) que cada fabricante entregava para cada tipo de filme.

Depois, vem a revelação do filme no seu processo, conforme a especificação do fabricante (aqui poderiam haver pequenas variações intencionais ou não como forma de alterar o que se espera) se tinha um negativo pronto para a ampliação em papel.

Nessa fase — o papel — é que grande parte da pós produção, que muitos fotógrafos ignoram completamente, ocorre.

Pequenas ou grandes variações de resultado podem ser feitas no momento de se realizar a ampliação em papel. Inclusive adequar as cores para que a foto pareça mais natural no papel (brilho, semi brilho ou fosco) que foi escolhido para a entrega final.

Estudei pouco sobre o processo tradicional (fotografia com filme) para cores. Meu início da fotografia foi em preto e branco, por isso passo para a pós produção dentro desse processo. Creio existir análogo para cores, mas deve ser bem mais complexo.

Escolhas de edição que se faz em filmes e papel (ampliação) PB

Expor menos um filme e revelar sem se importar com isso (tempo e temperatura da especificação do fabricante) deixando o negativo claro e sem detalhes, fazendo com que a exposição do papel tenha que ser rápida e para trazer algum detalhe (em baixo contraste) se terá que deixar o papel no revelador por mais tempo.

Expor pouco um filme (puxar o ISO) e revelar mais tempo (ou com temperatura maior) vai trazer imagem e “estourar” o grão fazendo uma foto mas granulada mas que foi conseguida com condições de luz inviáveis sem essa técnica.

Expor mais o filme e revelar sem se importar com isso irá deixar o negativo escuro. Isso faz com que se possa deixar o papel da ampliação ser mais tempo exposto para se trazer os detalhes das áreas claras e deixando as zonas escuras muito escuras, aumentando o contraste da fotografia.

A fotografia digital

onde mais gente comenta “sem edição” e “como saiu da câmera”

O próprio processo da fotografia digital é um processo que impõem que a luz capturada passe por um processamento para gerar uma imagem digital.

Esse processamento começa na conversão analógico digital (conversor AD) e no filtro de cor presente na forma de uma matriz de filtros (o mais comum é o processo da Matriz da Bayer) presente nos sensores.

Já na captura, uma imagem digital, para ser formada, passa pela conversão da carga elétrica gerada nos fotorreceptores para um número que representa essa carga (o conversor AD tem quantos bits?), nesse ponto para se ter uma imagem digital o mosaico dos filtros, passará por um processo matemático (no mais comum se chama Interpolação de Bayer) para ser gerada a cor de cada pixel da imagem digital.

Esse processo de filtros de cores em matriz ocorre em quase todas as câmeras digitais atuais, exceto nas equipadas com sensores de captura direta de cores Foveon e nas câmeras com sensores específicos para PB da Leica (que, obviamente, não entrega cores).

Dessa forma, para que sua imagem digital possa ser gerada, seja processando dentro do processador da câmera ou processando em software específico no computador (arquivo RAW), é preciso que haja algo grande de pós produção que envolve inúmeros fatores de decisão de como o conjunto de dados da matriz (no comum a Matriz de Bayer) será processado.

Assim, não existe foto sem processamento (edição) na inocente frase “está como saiu da câmera”.

Alguém decidiu um monte de parâmetros para que essa imagem resultante fosse gerada. Ao menos para que as cores dessa imagem fosse gerada.

Esse alguém pode não ter sido o fotógrafo, nesse caso foi o produtor do software que fez o processamento dos dados digitais que saíram do sensor para gerar uma imagem.

O processamento dos dados digitais brutos

Podemos fazer esse processamento dentro ou fora da câmera. Mas, sempre haverá um processamento para gerar uma imagem digital a partir dos dados brutos que a câmera (podemos dizer sensor — filtros de cor na matriz, anti-aliasing filter, fotorreceptores e conversor AD) capturou.

Quem faz o processamento dentro da câmera, deve ajustar os parâmetros desejados antes do disparo e a câmera processará os dados brutos retornando uma imagem digital, normalmente um arquivo JPEG. Podendo ou não guardar o arquivo com os dados brutos (RAW).

Quem faz o processamento fora da câmera deve, obrigatoriamente, fazer com que a câmera grave o arquivo de dados brutos para que o processamento destes, resultando em uma imagem digital, seja feito no computador (fora da câmera).

Não são todas as câmeras que oferecem a opção de se ter o arquivo com os dados brutos (muitas câmeras digitais compactas não o fazem).

Algumas câmeras além de oferecer a opção de se ter os dados brutos entregues num arquivo, tem no seu software um processador de imagens que usa o arquivo de dados brutos para se fazer arquivos imagem processados pelo menu da câmera.

Note que, sempre existe um processamento dos dados brutos para que possa existir uma imagem digital formada. Assim, não existe fotografia (imagem digital) sem processamento.

A fotografia sem processamento, na minha leitura quando vejo dizerem isso, é aquela que o fotógrafo não sabe o que está utilizando no processamento da imagem. Ele pode estar usando uma configuração padrão da câmera (programada pelos projetistas do software da câmera) achando que essa é a foto verdadeira “sem edição”. Mas, na realidade, esta é apenas a foto com o processamento padrão da câmera.

O que é o arquivo RAW?

O arquivo RAW da sua câmera não é uma imagem. Ele é um apanhado de dados do que o conjunto do sensor (matriz de filtros de cor, anti-aliasing filter, fotorreceptores e conversor AD) entregou. Esse apanhado de dados necessita ser processado para que uma imagem digital seja gerada.

Sempre existem dados brutos que serão processados, mesmo que a câmera não tenha opção de entregar esses dados sem processamento num arquivo.

Quer dizer que quando eu pego o arquivo RAW e abro no meu programa de tratamento não estou vendo a imagem RAW?

Exatamente. Quando abrimos um arquivo RAW e vemos uma imagem na tela do nosso computador, estamos vendo uma conversão padrão (preset) que o programa nos oferece como visualização do que está nos dados brutos do arquivo [atualmente — edição de 2018–05–22 — muitos software de processamento do RAW tem opção de entender a configuração que estava no menu da câmera como o preset a ser utilizado].

Pegar essa visualização e supor que essa é a fotografia “sem edição” é estar deixando a sua fotografia com a edição (processamento) padrão que o fornecedor do software [ou da câmera] definiu. Essa não é a fotografia sem edição, é a fotografia com a edição definida por outro que não você.

Finalizando

Lembre, sempre, que escrevo textos onde exprimo minha opinião.

Não existe foto sem edição e devemos parar com essa ideia de que foto sem edição é mais fotografia que foto com edição.

Também não devemos pensar que edição de fotos é alterar uma foto drasticamente, existem níveis de processamento, não querendo dizer que uma foto muito trabalhada digitalmente seja menos fotografia que uma pouco trabalhada.

Tudo depende do objetivo que se tem e devemos estar atentos para esse objetivo.

Alterar elementos de uma fotografia pode não ser aceitável para jornalismo, mas para uma foto de casamento pode ser até indicado (a lembrança do momento é mais importante que a verdade nua e crua).

Em outro texto pretendo abordar outras questões da edição (processamento) de imagem para fotografia digital.

Espero que esse texto seja útil. Comentários são bem vindos.

Informações complementares

[editado em 2016–05–24]

Um conhecido comentou no facebook e passou um ótimo link com um texto dele, é um bom complemento ao texto:

[editado em 2018–05–22] Incluí a informação de que mais programas de processamento do RAW (inclui o Lightroom), estão lendo a meta informação que a câmera gravou contendo suas configurações para usar isso no que seja a visualização básica (preset padrão).

Recomendo a leitura.

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