Aprender composição como o mais básico da fotografia

Uma proposta de mudança na “ordem natural” do aprendizado da fotografia

Flavio RB
Sobre Fotografar
Published in
7 min readJun 18, 2019

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[Este texto foi publicado originalmente, em 2019–03–31, no forum.fotobrasil.org, visite e deixe seu comentário por lá.]

É provável que esse subtítulo seja apenas algo pomposo para chamar a atenção para um texto onde manifesto a minha opinião e descrevo o como aprendi e vejo a fotografia sendo ensinada.

Afinal, não tenho grande experiência formal ensinando fotografia para dizer que algum novo modo de fazer as coisas possa ser melhor.

Vamos ao que eu tenho a dizer.

Como eu aprendi fotografia

Muito tempo antes de meu primeiro curso de fotografia, eu comecei a ver o funcionamento da câmera, suas partes e como eram as relações entre tempo de exposição e abertura do diafragma. Isso era no tempo do filme e o ISO não era uma regulagem, era apenas uma informação que, nas câmeras com fotômetros embutidos, era informada para se ajustar o indicador do fotômetro.

Esse aprendizado, teórico apenas, se deu entendendo o equipamento tanto mexendo como lendo livros que tinham ilustrações explicativas do funcionamento.

Meu aprendizado inicial foi teórico. Não fotografei.

Mais tarde, tive meu primeiro curso já sabendo como era o funcionamento do equipamento e com grande conhecimento de como era a forma de se ajustar o quanto da luz da cena será capturada (conhecimento teórico). Com toda essa informação lida, foi bem fácil (para mim) compreender as aulas e, até, explicar aos outros alunos do curso quando fora da aula teórica. Foi nesse curso que, posso dizer, fotografei um pouco. Mas, fiz muito mais “trabalho” de laboratório que fotografar, eu era apaixonado pela sala escura de ampliação preto e branco.

Depois que voltei a fotografar e decidi ter a fotografia como hobby, foi que coloquei o conhecimento desse básico de fotografia na prática — resolvi experimentar muito.

Esse treino metódico foi realizado já com a fotografia digital.

Logo que voltei a fotografar pensando na fotografai como hobby, notei que estava fazendo fotografia sem pensar na exposição e na luz. A facilidade de ver as imagens na tela, me fizeram fotografar na tentativa e erro. Então, decidi voltar para a teoria e praticar sem olhar o resultado.

Muito tempo depois, já consciente da medição da luz e quase fazendo sem pensar que, finalmente, eu fui estudar composição.

Como a fotografai costuma ser ensinada

A fotografia é ensinada assim:

  • Aprende os componentes da câmera;
  • Aprender sobre exposição;
  • Aprende sobre objetivas (comprimento focal).

No analógico, partia para o laboratório logo depois de se “queimar” o primeiro filme depois de ter a aula sobre as regulagens da exposição (tempo e diafragma) e saber sobre a sensibilidade a luz do filme.

Hoje, já no digital, nas primeiras aulas, antes mesmo de se treinar e fixar os conceitos de exposição, já se está fazendo pós processamento no computador e, muitas vezes, “acertando” os erros de exposição (eu acho um grande equívoco ensinar a consertar erros de exposição no processamento digital antes da pessoa conseguir fazer bem a regulagem da exposição, mas…).

Minha opinião sobre os motivos de se ensinar fotografia assim

Eu acredito que o ensino da fotografia comece, historicamente, com a parte de entender o equipamento e ajustar a quantidade de luz que irá para o meio sensível devido a, no começo da fotografia, as pessoas que iam aprender a fotografar já terem uma base de composição.

A composição já era estudada antes, muitas vezes na pintura ou no desenho. Assim, não era preciso se pensar nisso durante o ensino da fotografia.

A dificuldade de se fazer uma fotografia estava mais na operação do equipamento e no entendimento do processo de se regular a exposição e, depois, se processar o negativo e fazer a cópia (esses dois últimos passos eventualmente eram feitos por outras pessoas), que em saber apontar a câmera e, se fosse o caso, deixar a pessoa posando numa pose interessante e confortável para o tempo necessário de se expor o meio sensível a luz.

Tem um pesamento que me acompanha (que pode ser assunto para outro texto):

A fotografia libertou os pintores e desenhistas de representar a realidade.

Os avanços da tenologia para a fotografia

Os tempos são outros e hoje, com a facilidade da tecnologia, é comum termos cada vez mais pessoas fotografando. É a exacerbação do lema da Eastman Kodak Company:

“You press the button, we do the rest” (você aperta o botão, nós fazemos o resto).

Cada vez mais, teremos câmeras que fazem quase tudo por nós. Desde medir a luz com grande precisão para uma fotografia com a luz “correta” a entregar cores reais independente das condições de luz ambiente.

Isso não é ruim, pois ainda haverá espaço para se escolher formas diferentes, seja ajustando manualmente a exposição, seja informando para a câmera algumas opções num menu simplificado.

Mas, creio que ainda pode demorar um pouco para os sistemas de inteligência artificial, montarem uma composição (se bem que já tem experimentos sobre isso) para uma fotografia interessante visualmente sendo feita de forma completamente automatizada pela câmera.

Apesar de todo o avanço tecnológico, nós, as pessoas que operam os equipamentos, deixamos de estudar sobre composição e estética.

Quase toda pessoa (ao menos nas cidades) possui uma câmera no celular e faz fotografias. Muitas fotografias registrando uma infinidade de momentos.

Quando não é o caso de algum “dom” — a pessoa teve curiosidade ou foi estimulada a apreciar arte — o que vemos é uma profusão de fotos iguais dos mesmo locais e do mesmo jeito.

Nada contra cada pessoa registar os seus momentos do jeito que lhe satisfaz. A questão aqui é ensinar aqueles que notam isso e decidem que precisam aprender fotografia.

Essa pessoa (são muitas) que nota que está fotografando e deseja mais que um registro, parte a procura do ensino da fotografia e o que encontra?

Encontra, justamente, um curso de fotografia que começa numa parte técnica sobre equipamentos e os controles para se fazer com que o equipamento capture a luz desejada. Isso sem nem perguntar a pessoa está procurando no curso de fotografia.

A pessoa já tem um equipamento que faz fotos com a luz desejada com ela somente apertando um botão. Ela está querendo algo que ela ainda não tem e, pode ser que, com o tempo, venha a se interessar por ela mesma decidir fazer o que deseja com a luz que tem (parar de deixar o equipamento decidir).

Ensinar composição antes dos detalhes do equipamento e do ajuste da exposição

Que tal começar a ensinar composição e, por que não, edição (no sentido primordial da escolha do que fotografar e do que mostrar)? Quem sabe ir mais além e começar a mostrar linguagem fotográfica nessa parte inicial do aprendizado menos informal da fotografia.

Faz um tempo, eu achava que isso poderia não ser possível. Mas, eu tentei atender um grupo de estudantes do ensino médio num ótimo programa onde os estudantes pedem por assuntos e pessoas se voluntariam para ensinar (Quero na escola) e fui um grande fracasso, justamente por eu levar a parte enfadonha e altamente técnica da fotografia (eu estava fora da realidade do meu público).

Então, depois do grande fracasso, pensei em preparar algo mais lúdico, sabendo que a grande maioria dos estudantes tem um celular e fotografam para postar nas redes sociais. Só que eu ainda não me sinto preparado para isso e ainda devo demorar para me oferecer novamente como voluntário no projeto.

Um outro motivador dessa ideia veio no mesmo papo com amigos do clube de fotografia em que surgiu o pensamento explicitado na frase “A fotografia libertou os pintores e desenhistas de representar a realidade” (em destaque acima no texto). O outro pensamento é:

Os avanços na tecnologia das câmeras libertará os fotógrafos para explorar os limites da composição e formas de expressão com as imagens copiadas da realidade.

Será que é possível uma redefinição dos limites estéticos na composição e representação das cenas com a volta (*) do aprendizado da composição antes dos detalhes técnicos dos equipamentos?

Eu acho que vale a tentativa.

Assim, na próxima vez que vierem me perguntar que câmera comprar para iniciar na fotografia, eu responderei que não é preciso comprar nenhuma outras câmera. A pessoa, provavelmente já tem uma boa câmera no celular e ela precisa estudar composição antes de pensar num equipamento. Pois, ainda, não temos equipamentos que substituem o nosso olhar.

Eu já tive a minha primeira “vítima” dessa ideia maluca

Um colega de trabalho me perguntou por uma câmera boa para a filha dele que disse querer começar a estudar fotografia. Eu falei que o celular dela já é o suficiente para começar a estudar composição, passando alguns links, dicas de livros e alguns fotógrafos interessantes para seguir no Instagram (isso depois de ver algumas fotos feitas por ela, a menina tem potencial).

Essa mudança de ordem pode não significar muito para quem está procurando a fotografia em cursos profissionalizantes, mas pode deixar uma boa base para quem desistir do curso e resolver levar a fotografia somente como hobby ou desistir e passar a fotografar comente para registro (serão registro menos iguais).

Por hoje é isso. O que você acha dessa proposta?
Será que a pessoa que pergunta sobre curso de fotografia está mesmo interessada na parte enfadonha e técnica ou quer apenas fazer fotos mais bonitas nas viagens?

Aguardo comentários.

(*) Sim, volta. No início da fotografia quem começou a fotografar tinha um básico de conhecimento estético na pintura ou desenho.

Orquídea no Jardim Botânico do Rio de Janeiro (apenas para não ficar sem foto) — 2018–09–23 0040 — © Flavio RB

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